28.2.07
Caçador de Sóis
Saiu ontem o novo album dos Ala dos Namorados, não são para mim um grupo que me prenda ou emocione com a sua musicalidade, contudo o single de lançamento deste novo CD é algo de extraordinério.
CAÇADOR DE SÓIS (para ouvir)
Pelo céu às cavalitas
Escondi nos teus caracóis
A estrela mais bonita que eu já vi
Eu cresci com o encanto
De ser caçador de sóis
Eu já corri tanto, tanto, para ti
Fui um príncipe encantado
Montado nos teus joelhos
Um eterno enamorado a valer
Lancelote de algibeira
Mas segui os teus conselhos
Pra voltar à tua beira
E ser o que eu quiser
Os teus olhos foram esperança
Os meus olhos girassóis
Fomos onde a vista alcança
Da nossa janela
Já deixei de ser criança
E tu dormes à lareira
Ainda sinto a minha estrela
Nos teus caracóis
23.2.07
Muralhas do nosso tempo...
A Muralha e os Livros
"book Cell" de Matej Krén, Gulbenkian 2006
He, whose long wall the wand’ring Tartar bounds.
DUNCIAD, II, 76.
Li, dias passados, que o homem que ordenou a edificação da quase infinita muralha chinesa foi aquele primeiro Imperador, Shih Huang Ti, que semelhantemente outorgou que se queimassem todos os livros anteriores a ele. Que essas duas vastas operações – as quinhentas ou seiscentas léguas de pedra opondo-se aos bárbaros, a rigorosa abolição da história, a saber, do passado – tenham procedido de uma única pessoa e terem sido de alguma forma seus atributos, satisfez-me inexplicavelmente e, ao mesmo tempo, me inquietou. Indagar as razões dessa emoção é a finalidade desta nota.
Historicamente, não há qualquer mistério nas duas medidas. Contemporâneo das guerras de Aníbal, Shih Huang Ti, rei de Tsin, reduziu ao seu poder os Seis reinos e apagou o sistema feudal; erigiu a muralha, porque as muralhas eram defesas; queimou os livros, porque a oposição os invocava para louvar os antigos imperadores. Queimar livros e erigir fortificações é tarefa comum de príncipes; a única coisa singular em Shih Huang Ti foi a escala em que trabalhou. Assim dão a entender alguns sinólogos, mas eu sinto que os feitos a que me referi sejam algo mais do que um exagero ou uma hipérbole de disposições triviais. Cercar um pomar ou jardim é coisa comum; não o é cercar um império. Também não é pouca coisa pretender que a mais tradicional das raças renuncie à memória do seu passado, mítico ou verdadeiro. Três mil anos de cronologia tinham os chineses (e, nesses anos, o Imperador Amarelo e Chuang Tzu e Confúcio e Lao Tsé) quando Shih Huang Ti ordenou que a história começaria com ele.
Shih Huang Ti havia desterrado sua mãe por libertina; em sua dura justiça, os ortodoxos não viram outra coisa que não uma impiedade; Shih Huang Ti, talvez, quis apagar os livros canônicos porque estes o acusavam; Shih Huang Ti, talvez, quis abolir todo o passado para abolir uma única recordação: a infâmia de sua mãe. (Não de outra sorte um rei, na Judéia, quis matar todos os meninos para matar a um.) Esta conjectura é aceitável, mas nada nos diz da muralha, a segunda face do mito. Shih Huang Ti, segundo os historiadores, proibiu que se mencionasse a morte e buscou o elixir da imortalidade e enclausurou-se num palácio figurativo, que constava de tantos aposentos quanto há dias no ano; estes dados sugerem que a muralha no espaço e o incêndio no tempo foram barreiras mágicas destinadas a deter a morte. Todas as coisas querem persistir em seu ser, escreveu Baruch Spinoza; talvez o Imperador e seus magos creram que a imortalidade é intrínseca e que a corrupção não pode penetrar uma esfera fechada. Quem sabe o Imperador quis recriar o princípio do tempo e deu a si mesmo o nome de Primeiro, para ser realmente primeiro, e se chamou Huang Ti, para ser de algum modo Huang Ti, o lendário imperador que inventou a escrita e a bússola. Este, segundo o Livro dos Ritos, deu o nome verdadeiro a todas as coisas; similarmente, Shih Huang Ti se vangloriou, em inscrições que perduram, de que todas as coisas debaixo do seu império tiveram o nome que lhes convém. Sonhou fundar uma dinastia imortal; ordenou que seus herdeiros se chamassem Segundo Imperador, Terceiro Imperador, Quarto Imperador e assim até o infinito… Falei de um propósito mágico; também caberia supor que erigir a muralha e queimar os livros não foram atos simultâneos. Isto (segundo a ordem que escolhêssemos) nos daria a imagem de um rei que começou por destruir e logo se resignou a conservar, ou a de um rei desenganado que destruiu o que antes defendia. Ambas as conjecturas são dramáticas, mas carecem, que eu saiba, de base histórica. Herbert Allen Giles conta que os que ocultaram livros foram marcados com um ferro candente e condenados a construir, até o dia de sua morte, a indócil muralha. Esta nota favorece ou tolera uma outra interpretação, Talvez a muralha tenha sido uma metáfora, talvez Shih Huang Ti tenha condenado os que adoravam o passado a uma obra tão vasta quanto o passado, tão torpe e tão inútil. Talvez a muralha tenha sido um desafio e Shih Huang Ti tenha pensado: “Os homens amam o passado e contra este amor nada posso, não o podem meus verdugos, mas haverá em alguma ocasião um homem como eu, e este destruirá a minha muralha, como eu destruí os livros, e este apagará a minha memória e será minha sombra e meu espelho e não saberá.” Talvez Shih Huang Ti tenha cercado de muralhas o seu império porque sabia que este era desejável e tenha destruído os livros por entender que eram livros sagrados, ou seja, livros que ensinam o que ensina o universo inteiro ou a consciência de cada homem. Talvez o incêndio das bibliotecas e a edificação da muralha sejam operações que de um modo secreto se anulam.
A muralha tenaz que neste momento, e em todos, projeta sobre terras que não verei o seu sistema de sombras, é a sombra de um césar que ordenou que a mais reverente das nações queimasse seu passado; é verossímil que a idéia nos toque por si mesma, de forma independente das conjecturas que permite. (Sua virtude pode estar na oposição de construir e destruir, em enorme escala.) Generalizando o caso anterior, poderíamos inferir que todas as formas têm sua virtude em si mesmas e não num “conteúdo” conjectural. Isto concorda com a tese de Benedetto Croce; já Pater, em 1877, afirmou que todas as artes aspiram à condição da música, que não é outras coisa além de forma. A música, todos os estados de felicidade, a mitologia, as faces trabalhadas pelo tempo, certos crepúsculos e certos lugares querem dizer-nos algo, ou algo disseram que não deveríamos tido perder, ou estão por dizer algo; essa iminência de uma revelação que não se produz é, talvez, o ato estético.
Buenos Aires, 1950.
Jorge Luis Borges
He, whose long wall the wand’ring Tartar bounds.
DUNCIAD, II, 76.
Li, dias passados, que o homem que ordenou a edificação da quase infinita muralha chinesa foi aquele primeiro Imperador, Shih Huang Ti, que semelhantemente outorgou que se queimassem todos os livros anteriores a ele. Que essas duas vastas operações – as quinhentas ou seiscentas léguas de pedra opondo-se aos bárbaros, a rigorosa abolição da história, a saber, do passado – tenham procedido de uma única pessoa e terem sido de alguma forma seus atributos, satisfez-me inexplicavelmente e, ao mesmo tempo, me inquietou. Indagar as razões dessa emoção é a finalidade desta nota.
Historicamente, não há qualquer mistério nas duas medidas. Contemporâneo das guerras de Aníbal, Shih Huang Ti, rei de Tsin, reduziu ao seu poder os Seis reinos e apagou o sistema feudal; erigiu a muralha, porque as muralhas eram defesas; queimou os livros, porque a oposição os invocava para louvar os antigos imperadores. Queimar livros e erigir fortificações é tarefa comum de príncipes; a única coisa singular em Shih Huang Ti foi a escala em que trabalhou. Assim dão a entender alguns sinólogos, mas eu sinto que os feitos a que me referi sejam algo mais do que um exagero ou uma hipérbole de disposições triviais. Cercar um pomar ou jardim é coisa comum; não o é cercar um império. Também não é pouca coisa pretender que a mais tradicional das raças renuncie à memória do seu passado, mítico ou verdadeiro. Três mil anos de cronologia tinham os chineses (e, nesses anos, o Imperador Amarelo e Chuang Tzu e Confúcio e Lao Tsé) quando Shih Huang Ti ordenou que a história começaria com ele.
Shih Huang Ti havia desterrado sua mãe por libertina; em sua dura justiça, os ortodoxos não viram outra coisa que não uma impiedade; Shih Huang Ti, talvez, quis apagar os livros canônicos porque estes o acusavam; Shih Huang Ti, talvez, quis abolir todo o passado para abolir uma única recordação: a infâmia de sua mãe. (Não de outra sorte um rei, na Judéia, quis matar todos os meninos para matar a um.) Esta conjectura é aceitável, mas nada nos diz da muralha, a segunda face do mito. Shih Huang Ti, segundo os historiadores, proibiu que se mencionasse a morte e buscou o elixir da imortalidade e enclausurou-se num palácio figurativo, que constava de tantos aposentos quanto há dias no ano; estes dados sugerem que a muralha no espaço e o incêndio no tempo foram barreiras mágicas destinadas a deter a morte. Todas as coisas querem persistir em seu ser, escreveu Baruch Spinoza; talvez o Imperador e seus magos creram que a imortalidade é intrínseca e que a corrupção não pode penetrar uma esfera fechada. Quem sabe o Imperador quis recriar o princípio do tempo e deu a si mesmo o nome de Primeiro, para ser realmente primeiro, e se chamou Huang Ti, para ser de algum modo Huang Ti, o lendário imperador que inventou a escrita e a bússola. Este, segundo o Livro dos Ritos, deu o nome verdadeiro a todas as coisas; similarmente, Shih Huang Ti se vangloriou, em inscrições que perduram, de que todas as coisas debaixo do seu império tiveram o nome que lhes convém. Sonhou fundar uma dinastia imortal; ordenou que seus herdeiros se chamassem Segundo Imperador, Terceiro Imperador, Quarto Imperador e assim até o infinito… Falei de um propósito mágico; também caberia supor que erigir a muralha e queimar os livros não foram atos simultâneos. Isto (segundo a ordem que escolhêssemos) nos daria a imagem de um rei que começou por destruir e logo se resignou a conservar, ou a de um rei desenganado que destruiu o que antes defendia. Ambas as conjecturas são dramáticas, mas carecem, que eu saiba, de base histórica. Herbert Allen Giles conta que os que ocultaram livros foram marcados com um ferro candente e condenados a construir, até o dia de sua morte, a indócil muralha. Esta nota favorece ou tolera uma outra interpretação, Talvez a muralha tenha sido uma metáfora, talvez Shih Huang Ti tenha condenado os que adoravam o passado a uma obra tão vasta quanto o passado, tão torpe e tão inútil. Talvez a muralha tenha sido um desafio e Shih Huang Ti tenha pensado: “Os homens amam o passado e contra este amor nada posso, não o podem meus verdugos, mas haverá em alguma ocasião um homem como eu, e este destruirá a minha muralha, como eu destruí os livros, e este apagará a minha memória e será minha sombra e meu espelho e não saberá.” Talvez Shih Huang Ti tenha cercado de muralhas o seu império porque sabia que este era desejável e tenha destruído os livros por entender que eram livros sagrados, ou seja, livros que ensinam o que ensina o universo inteiro ou a consciência de cada homem. Talvez o incêndio das bibliotecas e a edificação da muralha sejam operações que de um modo secreto se anulam.
A muralha tenaz que neste momento, e em todos, projeta sobre terras que não verei o seu sistema de sombras, é a sombra de um césar que ordenou que a mais reverente das nações queimasse seu passado; é verossímil que a idéia nos toque por si mesma, de forma independente das conjecturas que permite. (Sua virtude pode estar na oposição de construir e destruir, em enorme escala.) Generalizando o caso anterior, poderíamos inferir que todas as formas têm sua virtude em si mesmas e não num “conteúdo” conjectural. Isto concorda com a tese de Benedetto Croce; já Pater, em 1877, afirmou que todas as artes aspiram à condição da música, que não é outras coisa além de forma. A música, todos os estados de felicidade, a mitologia, as faces trabalhadas pelo tempo, certos crepúsculos e certos lugares querem dizer-nos algo, ou algo disseram que não deveríamos tido perder, ou estão por dizer algo; essa iminência de uma revelação que não se produz é, talvez, o ato estético.
Buenos Aires, 1950.
Jorge Luis Borges
José Afonso (1929-1987)
22.2.07
um salto no vazio...
foi com surpresa que descobri que a inês deixou de escrever no blog enchamos tudo de Futuros. Para ela há a certeza de um caminho que ela sabe como o percorrer, para mim e para nós é um salto no vazio... gosto tanto das tuas letras, volta!
Yves Klein com montagem de Harry Shunk
Leap into the void, Paris (1960)
Yves Klein com montagem de Harry Shunk
Leap into the void, Paris (1960)
Vinte anos depois
Andy Warold "Self Portrait" (1986)
22 de Fevereiro 1987
Andy Warhol, como outros artistas da corrente artistica "Pop Art", criou obras em cima de mitos. Ídolos como Elvis Presley, Liz Taylor e Marilyn Monroe foram representados numa tecnica que tinha como intuito, mostrar o quanto personalidades públicas eram e são figuras impessoais e vazias. Todo este sentido era revelado associando a técnica com que reproduzia estes retratos, numa produção mecânica ao invés do trabalho manual. A serigrafia foi o meio ideal para representar a impessoalidade dos objectos produzidos para o consumo em massa, como são exemplos as garrafas de Coca-Cola e as latas de sopa Campbell.
13.2.07
Babel de Michael Sorkin
As Minhas Cidades VI
Mesquita Shiita - Samarra, Iraque (23 Fevereiro de 2006)
Na fotogarfia de satelite do post anterior sobre Samarra, esta mesquita localiza-se no centro da cidade.
Na fotogarfia de satelite do post anterior sobre Samarra, esta mesquita localiza-se no centro da cidade.
A propósito dos dois ultimos post´s que representam, por incrível que pareça, acontecimentos distantantes num espaço temporal de mais de 60 anos.
Aqui fica a minha indignação!
Babel de Gustave Doré
Babel de Fritz Lang
5.2.07
Schuiten & Peeters II
Pontes II
1.2.07
Naghsh-e Rostam
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